quarta-feira, 22 de junho de 2016

Manifesto Pela Escola Pública - Expresso Diário - Entrevista a Paulo Guinote


Manifesto pela Escola Pública - Expresso Diário - Entrevista a Paulo Guinote

O post que se segue foi inteiramente surripiado ao Paulo Guinote.

Pelo Expresso Diário

Acerca do manifesto bloguístico, eis as minhas respostas à Isabel Leiria do Expresso. Sublinho que o fiz comunicando aos restantes signatários e porque o Alexandre Henriques me destacou para algumas funções deste tipo, ok? Não sendo assinante doExpresso Diário, ficam aqui as respostas como seguiram por mail.
1 – O que levou os subscritores deste manifesto a avançar com esta iniciativa de divulgação de um texto em defesa da escola pública?
A iniciativa partiu do Alexandre Henriques do ComRegras que considerou que estamos num período em que os blogues poderão ter, de novo, algo a dizer em relação ao se debate em torno da Educação Pública. No meu caso, aderi à ideia porque, apesar de algum cepticismo, achei interessante que se conseguisse apresentar uma espécie de plataforma comum a pessoas e projectos com bastantes diferenças mas que encontram causas unificadoras nas suas preocupações.
2 – No texto nunca fazem referência  ao ensino privado nem à discussão em torno dos contratos de associação que tem marcado a agenda. Mas é neste contexto que o texto surge. As duas questões – defesa da escola pública e oposição aos contratos de associação – estão ou não relacionadas?
O manifesto surge nesse contexto, mas não desse contexto. A ausência de qualquer referência procura sublinhar isso mesmo. Que a polémica em torno dos contratos de associação é um epifenómeno muito exagerado porque isso interessa a cada uma das “partes” que se envolveram nesse conflito para unirem as suas fileiras. Em termos da Educação numa perspectiva mais ampla, há problemas muito mais importantes a tratar e o tempo não deve ser perdido em algo que, apesar do impacto mediático, não nos parece ser uma questão essencial.
3 – Falam em “cortes”, deriva de políticas educativas, burocracia doentia. O que é que de pior se tem feito à escola pública?
A permanente instabilidade em quase tudo, da avaliação dos alunos à contratação de professores, passando por detalhes tão pequenos mas massacrantes como procedimentos administrativos de registo do trabalho docente.
A enorme diferença entre o discurso público e a acção concreta. Veja-se o que se passa em trono da promoção do sucesso escolar. Apesar da retórica dominante ser a do fim do predomínio das disciplinas “estruturantes” no currículo a formação dada é centrada no sucesso nessas disciplinas; do mesmo modo, praticamente nada se alterou no currículo para efectivamente reforçar a área artística.
A duplicação ou triplicação desses registos e manutenção de controlos burocráticos do trabalho docente, retirando-lhe praticamente toda a autonomia.
O desaparecimento de uma prática de partilha na tomada de decisões ao nível da vida das escolas e agrupamentos, o que se agravou imenso com a concentração em mega-agrupamentos e a gestão baseada num modelo único e inupessoal.
4 – E qual é que acha que seria a media/área de intervenção mais importante/urgente para defender/melhorar a escola pública?
O reforço da autonomia das escolas, numa lógica de partilha e colegialidade das decisões. Não o reforço da autonomia/poder de uma só pessoa dentro das escolas, da distribuição de serviço às regras de contratação. E nunca o esvaziamento quase total da autonomia das escolas, com muitas das suas competências a ser transferidas para as autarquias, com o cenário da captação de verbas europeias. Quando as escolas passarem a depender dos gabinetes camarários para ver os seus “projectos” apoiados e financiados, o processo de degradação dará um enorme salto para o abismo.
5 – Há décadas que se ouvem reclamações de mais autonomia, com os próprios governos a invocar o mesmo princípio. Tem mudado alguma coisa e se não a que se deve esta tendência para a centralização e controlo?
O que tem mudado têm sido os mecanismos de controlo e registo dos actos praticados, mas não a sua lógica. Ao nível das escolas, o poder foi centralizado e organizado de forma hierárquica, sendo depois essa lógica alargada à relação dos directores com a tutela. A razão disto é, em primeiro lugar, uma enorme desconfiança dos políticos em relação aos professores, algo partilhado por todas as equipas ministeriais dos últimos quinze anos; em seguida, o desejo de estabelecer uma linha de dependência hierárquica dos processos de decisão/implementação das medidas. Tudo se baseia na lógica da nomeação e obediência. Curiosamente, apesar de todos os defeitos que lhe são imputados, a Educação tem revelado progressos constantes nas últimas décadas, mas raramente a responsabilidade por isso é atribuída aos professores por quem o deveria fazer.
6 – Vê no atual ministro um acérrimo defensor da Escola Pública? As palavras têm-se traduzido em atos?
Eu vejo em todos os ministros defensores acérrimos dos seus conceitos pessoais ou políticos de Escola Pública. Só que raramente coincidem com o meu e, vou arriscar, com a maioria dos meus colegas de profissão. Todos formulam conceitos de Escola Pública que defendem com maior ou menor intensidade, identificando o que acham ser os princípios mais virtuosos e quais os obstáculos a ultrapassar. Há quem achasse que o problema a falta de racionalidade na gestão do sistema (David Justino), que os maiores obstáculos ao progresso eram os professores (Maria de Lurdes Rodrigues) e quem achasse que a solução era fazer mais exames (Nuno Crato). Agora temos um ministro que retoma, em nome de um alegado progresso, a lógica do direito ao sucesso a qualquer preço que marcou os anos 90 do século passado e todo um aparato discursivo extremamente nebuloso que, no fundo, se resumirá a “passem-nos” ou a falha será vossa (dos professores, das escolas). Não me consigo rever em nenhuma desta lógicas e muito menos em diversas das suas medidas práticas.
7 – O manifesto é subscrito exclusivamente por autores de blogues. Desde o aparecimento dos blogues que a  Educação tem sido uma das áreas com maior número e grande parte até mantém o ritmo das publicações. O Paulo criou um, parou e lançou outro ainda que mais abrangente. Também há vários grupos de discussão no facebook. Por que é que acha que isto acontece? Os professores têm muito a necessidade de ‘desabafar’ e ‘partilhar’  os ‘males’ da sua profissão? 
Os professores são numa classe que, com excepções, claro, gosta de partilhar o que pensa e faz. Aquela ideia da “porta fechada” da sala de aula ao exterior é um mito útil. Bem como a do conservadorismo dos docentes, apesar dos eu evidente envelhecimento etário. Claro que existem exemplos menos bons, pessoas que poderiam ter o direito de se retirar da vida activa ou de leccionar com um mínimo de dignidade que as políticas recentes não têm permitido. Mas a maioria, por vezes a menos vocal, que aparece apenas para ler, aprender algo, contribuir com alguns comentários, gosta desta rede de relações virtuais que alargam as redes locais mais personalizadas e permitem aceder e partilhar informação útil. Devido ao do entristecimento das salas de professores, à erosão da situação simbólica e material da classe docente e ao clima de quase permanente tensão com a tutela em muitas áreas, os blogues e os fóruns de discussão virtuais tornaram-se espaços de refúgio e de catarse que, felizmente, muito têm contribuído para que todos achemos pontos de apoio, identificação e motivação para mantermos alguma sanidade no meio de toda esta turbulência.
8 – Para quem acompanha e lê esses fóruns não fica a ideia que há uma insatisfação permanente dos professores, independentemente das medidas que são tomadas? É o resultado do desgaste que refere?
Sim, é verdade que quem passa pelos fóruns de debate de professores pode ficar com a ideia de que estamos insatisfeitos com tudo, seja de que tipo for. Isso pode resultar de uma conjugação de causas, desde o facto de, sentindo-se em “família virtual”, ser possível descarregar os humores (em vez de estar em casa a fazer isso sempre com a família real) até à diversidade de posições de diferentes grupos de professores sobre algumas matérias, queixando-se de cada vez quem discorda, por exemplo, ou dos exames ou da sua ausência, não esquecendo quem lá aparece de forma militante para defender causas que vão para lá dos interesses dos professores, os chamados trolls que só servem para produzir “ruído”.
No entanto, acho que há medidas que teriam um aplauso praticamente unânime como a desburocratização real do trabalho docente (agora fazemos relatórios em suporte digital, mas guardam-se diversas cópias em papel e se surgir a IGE tem de se entregar tudo nos vários suportes), a redignificação da carreira docente (já andamos a ajudar a pagar bancos há quase uma década), o fim da (inter)municipalização da Educação (que só agrada aos amigos dos partidos nos diversos poderes locais, como se viu no referendo promovido a esse respeito pela Fenprof) e o regresso a um modelo flexível de gestão escolar (medida que só desagradaria a alguns directores).

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