sexta-feira, 15 de abril de 2016

Estado/Religião - A Palavra a José Emanuel Queirós

Iconografia Católica - CIMMA - S. Gonçalo - Amarante
Fotografia de Anabela Matias de Magalhães

Estado/Religião - A Palavra a José Emanuel Queirós


A CRENÇA É CEGA E A FÉ CEGA ENCANDEIA
"O Município de Amarante associou-se à programação religiosa do périplo que uma imagem alusiva às aparições de Fátima anda a fazer pelo país, a propósito do centenário do evento (1917-2017) que no próximo ano será comemorado e contará com a vinda a Fátima do Papa Francisco.
Contrariamente a muitos que não acreditam nas aparições, acho perfeitamente possível que algum fenómeno incomum como o que a história relata possa ter ocorrido na Cova da Iria, fará este ano o seu nonagésimo nono aniversário.
As aprendizagens que fazemos do uso dos órgãos dos sentidos são limitativas para a compreensão física do fenómeno que possa ter ocorrido, e esse domínio de aferição sensorial torna a nossa percepção sensitiva condicionada e diminuída pelo que foram os ensinamentos colhidos desde o nascimento. Daí, não tenho a veleidade de negar o testemunho de três crianças (Lúcia, Jacinta e Francisco) que terão tido o privilégio de visualizar e ouvir as mensagens proféticas que possam ter sido trazidas ao plano terrestre de uma dimensão mais subtil e elevada da existência para onde todos nos encaminhamos neste trânsito planetário.
A experiência que colhemos com vida, levada em estado de vigília permanente e de senso auto-crítico desperto, mobiliza o indivíduo para a dúvida e o questionamento recusando a sujeição aos dogmas da Igreja e à passiva aceitação do cabresto da fé cega. A história do pastor e do rebanho confundem-se no tempo com uma efectiva forma de exercício de poder e submissão que não tem qualquer correspondência no plano universal, senão pelo interesse na manipulação e dominação de massas. Assim foi até ao fim do Estado Novo em que o Estado tinha uma matriz confessional marcada e a Igreja Católica dispunha de um poder influenciador, detendo um claro ascendente sobre a vida pública.
Após os momentos revolucionários de Abril de 1974 o Estado demarcou-se da Igreja, deixando o país de ter alguma doutrina religiosa oficial e as instâncias da Administração Pública passaram a estar desvinculadas e equidistantes de qualquer religião. É um claro avanço no sentido da realização das liberdades individuais e da aceitação das escolhas que cada um faça em concordância com a sua própria experiência de fé que a Câmara Municipal de Amarante, na circunstância, evidencia não seguir talvez por inabilidade cívica e política, talvez até por imaturidade intelectual.
Com chuva ou com sol, que mal tem que vão todos debaixo do pálio?... E se arranjarem um andor para os dignitários locais, também daí, não vem mal nenhum ao mundo e engrossa a procissão!... Resvala-se no pensamento da conveniência e do mérito da exposição e do adorno, contando com o povão industriado na tradição de comer arroz com feijão, sabendo-se que é melhor comer e calar...
O Estado e as instituições que o servem, tal como a instância executiva municipal representativa de todos os amarantinos, devem ser neutrais não por algum preconceito moral, por obediência a um certo estado de normalidade cívico-religiosa ou apenas por respeito aos 'outros', mas por manifestação de uma ordem de consciência em que, perante o país e o Mundo, todos somos cidadãos indistintos e compomos a mesma Humanidade, qualquer que seja o endereço que tenhamos ou o estádio de maturação e desenvolvimento em que cada um se encontre.
Os primeiros a não terem consciência de si e de, tendencialmente, excluírem os demais são quem se sente protegido pela diluição individual em qualquer grupo, entendido como fonte aleatória de poder convencional, aceitando qualquer dogmatismo como prova de fé, abstendo-se de um questionamento comportamental, fundamental, de si e dos outros.
O ilusório estado de encantamento com que se formam as reboadas revestidas de algum auto-proclamado privilégio, perante os demais, serve como fonte de um falso poder ou corrente divina, mas perante o Todo, a Terra e o Universo não se reveste de atributo especial condizente. Serve apenas para marcar diferenças de crença entre os homens como as que nelas são cavadas as principais causas dos conflitos passados e presentes."

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