segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Carros a Gasogénio


Tio Belchior e Primo Luís em Ford Prefect E93A
Fotografia Sei Lá Eu de Quem - S. Gonçalo - Amarante

Carros a Gasogénio

Muito embora Portugal não tenha estado envolvido directamente na Segunda Guerra Mundial a verdade é que os efeitos da mesma fizeram-se sentir por aqui pelo rectângulo à beira mar plantado, e de que maneira se fizeram sentir!, em racionamentos sem fim de produtos alimentares e não só, de que os meus avós falavam amiúde e os meus pais, que igualmente os sentiram na pele, também. Cresci a escutar a minha mãe a falar de tempos de racionamento que a mim já nada me diziam e que obrigavam os portugueses a procedimentos de expediente como o de terem de fazer o sabão e a manteiga em casa, como aconteceu nos anos da Guerra, em casa da minha avó Clotilde, na Régua, situada na Avenida João Franco.
O meu avô Rodrigo falava também dos tempos em que, obrigados pelo racionamento violento da gasolina, os carros se moviam alimentados a gasogénio. Não sei se os meus leitores saberão do que estou a falar. A fotografia que ilustra este post mostra-nos um Ford Prefect E93A, carro produzido de 1938 a 1949, período que engloba os anos da Segunda Grande Guerra, de  má memória, iniciada em 1939 e apenas terminada em 1945. Os meus tios e o meu avô tiveram dois Prefect, cujas matrículas eram AE-11-18, carro normalmente conduzido pelo meu avô Rodrigo e um IL-10-76, normalmente conduzido pelo meu tio-avô Belchior, segundo me diz o meu pai que se lembra muito bem deles e me ajudou a construir este post.  
Fruto do racionamento feroz, os carros que circulavam durante este período de racionamento também de gasolina foram adaptados a gasogénio que funcionava da seguinte forma e que pode ser acompanhada pela fotografia que ilustra este post - os sacos de lona, rolos compridos e estreitos, eram carregados com carvão e colocados no tejadilho dos carros. O seu número era variável podendo chegar a ser dois ou quatro. Na parte de trás do carro funcionava a caldeira propriamente dita que era do tipo "salamandra" - carregada de carvão, também podia funcionar a madeira, ardia fornecendo a energia necessária para alimentar o motor. A chatice era que o carro ia falhando à medida que o carvão era consumido e lá tinha de se encostar o veículo, recarregar a caldeira para novo bocado de viagem até ser preciso repetir exactamente os mesmos gestos numa trabalheira sem fim. A chatice é que o peso do carro aumentava exponencialmente com o peso da caldeira e dos sacos carregados de carvão fazendo diminuir consideravelmente a velocidade, andando tanto mais devagar quanto mais carvão ou lenha levasse no tejadilho.
O carvão, diz-me o meu pai, era fornecido pelas mulheres de Canadelo que chegavam à cidade com os burros carregados de carqueja e carvão, a carqueja para pôr a coisa a funcionar, como quem acende hoje uma lareira ou uma salamandra sem as acendalhas xpto, o carvão para alimentar os carros propriamente ditos.

Nota - Para além de agradecer ao meu pai as suas memórias frescas, sem as quais este post não veria a luz do dia, agradeço a fotografia do Ford Prefect ao meu primo Luís Queirós sem a qual eu estaria para aqui a escrever no escuro, sem visualizar este carro tantas e tantas vezes conduzido, e falado, pelo meu avô Rodrigo.

12 comentários:

Carlos Afonso disse...

Ai Anabela, Anabela, porque desperdiças tu, tantas vezes, a qualidade da tua escrita?
Se gostas tanto de coisas antigas e fora de moda, não te desgastes com CGTPices e dá-nos crónicas sobre antiguidades que valham a pena, como esta dos "carros a gasogénio". Eu, por mim, folgava mais.
Beijos

PB Pereira disse...

Anabela
O teu pai pode contar-te o que se passou com os pneus nesses tempos de má memória. Os carros foram parando à medida que os pneus acabavam.
Pedro

Anabela Magalhães disse...

Eheheh... porque preciso de fazer terapia sem ir ao psiquiatra.
E sim, eu sei que estes meus posts são do teu especial agrado...
Vou fazer mais.
Beijinhos! Excelente carnaval!

Anabela Magalhães disse...

Vou continuar a fazer posts com ele ao meu lado... para as suas memórias não se perderem...
Beijinhos, Pedro!

J disse...

Eu arrisco-me a dizer que tem capacidades para escrever um livro.

Anabela Magalhães disse...

Muito obrigada, João, mas um livro on-line é o que estou a fazer há cinco anos, aqui... eheheh, com altos e baixos, próprios de quem escreve todos os dias, sem grandes preocupações de apuramento.
Beijinhos e votos de excelente carnaval!

Margarida Alegria disse...

Sei quem foi o inventor do "gasógénio". Foi um português (do norte) e bisavô de primos direitos meus.
Acabou por falecer numa explosão de uma das suas muitas experiências.
Depois, os dois filhos foram os idealizadores e construtores do Edfor, o automóvel de corridas de motor ford e resto português (peças fabricadas por eles).E corredores de automóveis(ex. circuito da Boavista, o antigo). Foi num "Edfor" que Manoel de Oliveira também correu muitas vezes (e julgo que ainda tem um dos quatro únicos exemplares).
A veia empreendedora continuou nos filhos e costela criativa e de inventor ainda continua nalguns netos. E a "costela" de automobilistas também.
O gasogénio foi uma bela alternativa à gasolina, então.

Anabela Magalhães disse...

Foi uma alternativa que remédio, Margarida! Que revela a capacidade inventiva do homem. Desconhecia essa história desse português... penso que a primeira invenção deste desenrasque é francesa e do pós 1ª guerra mundial.
Sei que no Brasil também foi muito utilizado...

Margarida Alegria disse...

Sim, foi após a 1ª guerra ou acho que mesmo durante a primeira guerra, em que Portugal participou-- necessidade invenção de recurso. Sempre ouvi essa história de ele ter sido o inventor. E não eram pessoas de se gabarem por aí além.O gosto da invenção e das engenhocas puro.
Os filhos tinham como nome de família Ferreirinha. Não sei se o pai era também Ferreirinha, mas penso que sim.

Anabela Magalhães disse...

Agradeço-te a colaboração e as informações que aqui me deixas, Margarida!

República dos Bananas disse...

Excelente post!

Anabela Magalhães disse...

Muito agradecida, República das Bananas!

 
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