sábado, 29 de março de 2008

Nem Anjos Inocentes, nem Geração Rasca

João Miguel Tavares Jornalista

Há um ano estava no centro comercial Colombo e a minha filha mais velha desatou numa gritaria desalmada, já nem sei porquê, uma daquelas birras olímpicas que antes de termos os nossos filhos acreditamos ingenuamente que só acontecem aos filhos (mal-educados) dos outros. Tentei fazer como os árbitros de futebol: isolar o jogador para o punir disciplinarmente. Puxei-a para um canto, encostei-a à parede e tentei acalmá-la. Só que ela continuava a espernear e a gritar pela mãe, como se eu fosse o Jack Bauer em plena sessão de tortura, procurando saber a todo o custo onde estava a ogiva nuclear. Então, uma senhora dos seus 60 anos aproximou-se esbaforida, a berrar "você é mau pai, você é mau pai", dizendo-me para largar a criancinha e deixá-la ir ter com a mãe, senão chamava a polícia. A sério.Entre pôr uma criança a trabalhar no campo aos seis anos e estar publicamente impedido de lhe estancar uma birra, é capaz de haver um meio-termo. E no entanto, cada vez parece mais difícil encontrá-lo. Veja-se o inacreditável vídeo do liceu do Porto. Tudo aquilo é impensável, claro, mas antes de voltarmos à velha conversa da geração rasca e às visões apocalípticas do mundo convém ver o que aquilo é: o registo de uma birra sem limites, aparentemente parecida com a da minha filha no Colombo. A diferença - e é uma grande diferença - é que na altura a minha filha tinha três anos. E a rapariga loucamente apaixonada pelo seu telemóvel tem 15. O problema da falta de autoridade dos professores é uma realidade preocupante, ninguém duvida disso, mas é em casa daquela miúda e na educação dos nossos filhos que em primeiro lugar devemos procurar as causas do seu comportamento.Doses cavalares de mimo, desaparecimentos de Maddies e problemas de consciência de pais ausentes compõem uma fórmula de tal forma explosiva que as criancinhas se transformam em flores de jarra às quais parece mal tocar até com um dedo. O meu pai contou-me no outro dia que em miúdo levou um tabefe porque ao cumprimentar um adulto o tratou por "você" em vez de "senhor". Não é a este tempo que queremos voltar. Mas é preciso encontrar o equilíbrio entre distribuir sopapos por faltas de cortesia e não poder puxar uma criança para um canto sem se ser ameaçado com a polícia. Já é hora de acabar com o mito do bom rebelde. As crianças não são seres angélicos que o mundo corrompe. São bicharocos nem sempre encantadores, muitas vezes cruéis, que têm de ser educados para a vida e para se comportarem devidamente em sociedade. Alguém se esqueceu de fazer esse trabalho com aquela miúda do Porto, dez anos atrás. Tão simples - ou tão complicado - quanto isso

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