segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008


A Caminho de Professorzeca - Queima das Fitas - Porto
Fotografia de Não Sei Quem

Professorzecos

Pois foi assim, com este termo carinhoso, que a tutela se referiu a nós, professores, contestatários do tanto que vai mal no reino da educação. Nada de especial neste tratamento, até porque ele só revela que a tutela procura que haja coerência entre a sua actuação e a fundamentação teórica que lhe molda e condiciona os passos. Pensam, afirmam, actuam em conformidade. Está certo.
Não conseguem é fazer melhor do que isto.
E afinal, alguma novidade neste tratamento de professorzecos?
Não, de facto nenhuma, apesar dos sucessivos discursos de reformas travestidas de paixões. Paixões até assolapadas e mais do que assolapadas pela educação. Mas de facto, de facto, como foi que a tutela nos tratou durante anos a fio?
Vejamos o meu caso concreto.
Saída da faculdade, concorri aos famigerados mini-concursos, e obtive uma colocação em Paredes de Viadores que muito preocupou a minha mãe. Horário incompleto, nocturno, por vezes a sair perto da meia-noite, andando por montes e vales 60km, de segunda a sexta-feira, por estradas mal iluminadas e isoladas, num tempo sem telemóveis, conduzindo uma carcaça de Fiat 600 a cair aos pedaços, que não havia dinheiro para mais. Sorte!! Obrigada, Ministério da Educação! O tempo de serviço não me contará todo, mas paciência, pelo menos contará algum!!! O ordenado não o receberei todo, mas pelo menos receberei algum!! Obrigada, Ministério da Educação!!!
E eis que chega 31 de Agosto, tempo de despedimento. "Rua, e vamos lá a ver se te contratamos de novo". Assistência médica cessada, subsídio de desemprego nem vê-lo, aguardo calmamente por novos mini-concursos, uma palhaçada pegada com que o Ministério da Educação nos reduzia à nossa insignificância, nos remetia a todos à nossa condição de professorzecos, dando voltas ao quarteirão do Liceu D. Manuel, mendigando um qualquer horariozito num espectáculo deprimente de terceiro mundismo. Nem sei quantos anos andei nesta palhaçada, sucessivamente contratada, sucessivamente despedida, sem apelo nem agravo, mas foram muitos, demasiados, quase sempre aceitando horários incompletos, correspondendo a ordenados incompletos. A meio do meu percurso, por volta dos meus trinta anos, eis que me toca, finalmente, um horário completo na Escola Secundária do Marco de Canaveses. Tinha só um pequeno defeito. Tinha aulas de manhã, à tarde e à noite, e quatro níveis, nada que não conseguisse aguentar, apesar do cansaço de ter dias a entrar às nove menos quinze e sair pertinho da meia-noite. Nada que não conseguisse aguentar que isto de ser professorzeca exige malabarismos vários. Finalmente, quase aos 40 anos, consigo que o Ministério da Educação me faça o grande favor de me conceder uma vinculação à Função Pública. Obrigada!!! Obrigada!!! Finalmente alguma estabilidade profissional!!! Uf! Estava a ver que não conseguia!! Uf!! Ainda não é vínculo a uma escola, mas que diabo... Uf!!!
Reconheço a minha paciência e o meu masoquismo... tantos anos tratada como professorzeca e ainda tenho a lata de gostar disto!! Ainda tenho a lata de insistir!
É por estas e por outras que pelo facto da tutela me ter chamado de professorzeca isso não constituiu, para mim, novidade nem surpresa. Mais grave do que me chamarem de professorzeca foi o tratarem-me, anos a fio, abaixo de cão, justamente por quem me devia defender, apoiar, acarinhar e afinal se aproveitou do meu trabalho barato, descartável, se aproveitou do meu amor infinito pela sala de aula, pelo ensino.
Resta-me o sorriso final. Políticos leva-os o vento. Já ouvi o pregão das paixões, já senti sucessivas reformas e reformecas e eu continuo por cá. Resta-me o sorriso final. A tutela será outra, provavelmente até nem melhor... mas será outra, mais cedo ou mais tarde.
Políticos leva-os o vento. Nós permaneceremos por cá.
Resistiremos.

4 comentários:

Helder Barros disse...

Ah grande professoreca, não é qualquer ministreca que faz de ti Suéca! Não és crente, mas aqui vai de um: "Pai perfdoa-lhes, eles não sabem o que fazem...". Aqui é mais, eles não sabem o que dizem! Foto com cabelo, lol, coisa rara!

Anabela Magalhães disse...

Não fazem não, até porque eu sou morena por fora e, mais importante ainda, sou morena por dentro... :D e que diabo, acabei por crescer emitindo livremente as minhas opiniões! Não abdico disso.
Quanto ao cabelo, até parece que agora estou careca!!!! lol

portugalilainen disse...

3 comentários (pelo teu discurso acho que devo economizar e por isso saem 3 em 1!):

1. percebo, naturalemente, o teu "desabafo";
2. FIAT 600?!! Onde anda ele? O máximo, o 600!
3. sempre pensei que o teu cabelo não crescesse...

Anabela Magalhães disse...

Resposta

1 - Ainda bem que há alguém que me compreende.
2 - Vendi o 600 a uma amiga de infância. Gostaria de o reaver. Lindo, lindo!
3 - O meu cabelo cresce... eu é que lhe dou cabo do canastro!!!
Lol

 
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